12 de Outubro de 2010
Há quem diga que a noite em África é mais escura do que na Europa. Na verdade, as estrelas e a Lua são bem mais brilhantes do que na Europa, mas aqui não há iluminação pública em muitos locais fora das cidades e este sítio onde pernoitamos era uma pequena floresta, das inúmeras que devemos ter passado sem notar.
Há quem diga que a noite em África é mais escura do que na Europa. Na verdade, as estrelas e a Lua são bem mais brilhantes do que na Europa, mas aqui não há iluminação pública em muitos locais fora das cidades e este sítio onde pernoitamos era uma pequena floresta, das inúmeras que devemos ter passado sem notar.
Sem darmos conta estávamos muito perto de Tambacounda. Tínhamos parado o carro no primeiro matagal que nos pareceu seguro. O nosso despertar foi divertido, pois o medo da escuridão deu lugar ao sorriso que retribuímos a um grupo de 20 pessoas que nos admiravam a menos de 5 metros. Ficamos com a sensação de que estes senegaleses estavam tão admirados com a presença da nossa chaimite que nem tiveram coragem de se aproximarem. Nem sequer falaram, mesmo depois do nosso "Bon Jour".
Coisas em que pensamos mal arrancamos: distância para as possíveis entradas na Guiné-Bissau e vistos de entrada. Depois de falarmos com o nosso amigo Francisco - reside no Porto e acompanhou a nossa viagem desde a partida - decidimos seguir até Ziguinchor. Ficamos a saber da existência de um Consulado da Guiné-Bissau nesta cidade e a distância até à fronteira seriam apenas 20 Km.
De Tambacounda a Ziguinchor seriam, aproximadamente, 200 Km e mesmo com as paragens policiais que certamente nos iriam acontecer, estaríamos no Consulado para tratar dos vistos bem antes das 14h - hora do seu encerramento.
Cedo percebemos que, como nos 4600 Km anteriores, em África não se fazem planos, nem de horas nem de distâncias.
A estrada era uma miséria. Nunca imaginamos passar por uma estrada tão má. Pior que isso, de nada servia ir a 20 Km/h e tentar aproveitar para ver a paisagem ou contactar com os locais. Era impossível tirar os olhos da estrada. Os buracos eram tantos que quando apareciam 200 metros mais direitos, parecia que tínhamos feito 2 Km. Por instantes, transportamo-nos para o ano de 1969, altura em que o Homem pisou a Lua pela primeira vez e onde circulou com um veículo de quatro rodas!
A certa altura, encontramos um grupo de homens que estavam a tapar os buracos da estrada com aquela típica terra vermelha de África. Curiosos, paramos e perguntamos quanto tempo demorariam a arranjar os imensos quilómetros de estrada destruída. Um deles, com um sorriso de quem estaria satisfeito por ter trabalho, disse isto: "Meu amigo, isto demora mais ou menos 5 meses. A chuva está mesmo a acabar e já se pode voltar a refazer tudo". Continuamos a viagem e não conseguimos deixar de pensar neste episódio. Naquela zona do continente africano, são 6 meses de chuva e 6 meses de seca. Se a época das chuvas deixa a estrada destruída e se demoram 5 meses a reconstruí-la, quer isso dizer que quando estiver pronta, sobra um mês até voltar a chuva.
O tempo foi passando e por volta do meio-dia - 3 horas depois da nossa saída - só tínhamos feito 70 Km. Passamos Manda, Véllingara, Kounkane e Kolda pela N6 e constatamos, pelas perguntas que íamos fazendo, que era a única estrada transitável no Sul do Senegal. O nosso GPS estava tão confuso que, em vez de diminuir o tempo de viagem, aumentava como se tivéssemos de fazer tudo de novo, só para encurtar os últimos 400 Km de viagem até à Guiné-Bissau. A estrada estava cada vez pior e cedo percebemos que a chegada a Ziguinchor e ao Consulado iria ser muito complicado. Em sentido contrário não passou nenhum carro, no mesmo sentido do que nós passaram duas carrinhas de transporte de pessoas, algumas motas e muitas bicicletas. Insistimos nesta ideia de que passaram, porque na realidade, todos passaram por nós. A nossa chaimite levou tantas pancadas por baixo que ficamos muito receosos com o desenrolar da etapa final no Senegal. Enquanto um conduzia, o outro andava na frente da pobre carrinha, a ver o melhor caminho para não a castigar mais do que já tinha sido castigada na Mauritânia.
Sem querer, foi criada uma tensão escusada no interior do carro. O GPS mostrava-nos um rio a acompanhar-nos pelo nosso lado direito. A distância estava mesmo mais curta até Ziguinchor, mas a palavra Casamance no visor do nosso mapa digital trouxe à memória todas as histórias e relatos desta zona do Senegal. Esta zona que incluí os departamentos de Kolda e de Ziguinchor, onde ainda se fala português, foi povoada por portugueses no Século XV e só deixou de ser território português por troca pela França, que cedeu a Portugal uma outra zona no Sul da Guiné-Bissau. Esta zona é alvo de conflitos, pois como em todas as áreas geográficas que tenham petróleo, a confusão instala-se pelo seu poder. Recomendamos a leitura de textos sobre esta zona de África, desta forma não se tiram conclusões precipitadas. Aos relatos de raptos, roubos e grupos de rebeldes violentos, respondem outros que afirmam que os rebeldes não passam de um grupo de jovens que tentam contrariar a exploração indevida de recursos e de pessoas. Não sabemos quem tem razão, mas ao passar por essa zona, lembramo-nos de todas elas.
Já passava das 21h quando chegamos a Ziguinchor. Na verdade faltavam 300 metros para chegar à avenida principal, mas ficamos retidos por um charco de água mesmo no centro da estrada. O carro não passava, pois pelas palavras de um grupo de pessoas que jogavam uma espécie de jogo de damas, para que o carro não ficasse ali, teríamos de esperar que a água baixasse. Estupefactos, pensamos que só faltava aquilo para ter um final de dia mais horrível que o restante. Fizemos 180 Km em 13 horas, grande parte a menos de 20 Km/h e agora que chegamos ao destino, não podíamos passar. Entretanto, entre o grupo de homens, discutia-se qualquer coisa que tentamos perceber. Um deles, num francês pior que o meu, disse que conhecia um outro caminho para nos desviar deste obstáculo intransponível e que nos levaria ao centro da cidade. Explicamos que não o poderíamos levar dentro do carro. Ele disse que não era preciso. Foi a correr à frente do carro e em três tempos vimos o acesso a uma grande avenida. Estávamos, finalmente, no centro de Ziguinchor. Oferecemos umas moedas ao homem. Não aceitou. Demos um abraço a este gentil senegalês, sorrimos os três e procuramos perceber para que lado deveríamos conduzir de seguida.
Descobrimos que a fronteira com a Guiné-Bissau estava fechada desde as 19h e que o consulado estava fechado desde as 16h. Pernoitar na maior cidade do Sul do Senegal era um bom desafio, mas decidimos não arriscar e procurar um hotel que fosse, de certa forma, seguro. Por sermos portugueses, indicaram-nos um hotel onde guardavam os carros do Consulado da Guiné-Bissau. Chegados lá, nem discutimos preço. O hotel ficava a 20 Km da fronteira, a 1 Km do Consulado, era limpo, tinha água quente, ar condicionado, parque seguro e, melhor que tudo, televisão portuguesa.
Jantamos mais uma boa dose de salcichas, atum e pão (compramos numa loja paredes meias com o hotel). Tomamos um banho decente depois de 1000 Km pelo Senegal, entre terra, chuva e muito suor. Dormimos.