terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Guiné-Bissau: a chegada (Parte I)

13 de Outubro de 2010

Sem precisarmos de despertador, acordamos relativamente bem dispostos. Estávamos a 20 Km da Guiné-Bissau, mas sobravam, ainda, alguns pontos que nos poderiam travar no caminho ao destino final. Depois de tantas nuvens negras no percurso, neste momento o Sol que brilhava em Ziguinchor poderia querer dizer muito pouco, pois ainda faltava o visto para a Guiné-Bissau, a saída do Senegal, que tanto custou a atravessar, e o tempo e burocracia que seria de esperar na fronteira.



Mal entramos no carro, sentimos o cheiro do dia anterior: terra, suor e os lenços de papel que serviram para limpar vidros. Sorrimos e percorremos a curta distância entre o Hotel e o Consulado. Não foi difícil de encontrar e, estacionados à porta, ficamos abismados com o movimento no centro de Ziguinchor. Não é muito diferente das grandes cidades africanas da Mauritânia e do norte do Senegal, mas foi a primeira onde pernoitamos e a primeira onde paramos o carro e andamos a pé. Subimos ao primeiro andar do espectacular edifício do Consulado, não que fosse moderno, mas porque se tratava de uma construção típica do tempo colonial francês, em relativo bom estado e é uma daquelas construções que a grande maioria das pessoas adoraria ter como casa.

O Cônsul ficou muito feliz por ver dois portugueses. Só acreditou que tínhamos vindo de carro quando foi connosco à varanda e viu a chaimite com a bandeira portuguesa pendurada nas grades. Apresentou-nos o seu filho - um menino de 4 anos que não sabe falar português - carimbou os nossos passaportes, desejou-nos uma boa estadia na Guiné e sorriu mais uma vez. Para nosso espanto, este processo que tão demorado foi nos países anteriores, demorou apenas 15 minutos, tudo sem grandes perguntas e custou 15 € para cada um de nós. Em Portugal, pelo que sabemos, o visto custa cerca de 70 € e pode demorar uma semana. Check-point marcado, seguimos para a fronteira.

Nos 20 Km até à fronteira conseguimos, finalmente, olhar um pouco à nossa volta. Verde, verde, verde e mais verde: palmeiras, coqueiros e mil e uma árvores que nunca tínhamos visto na vida. Aos charcos que nos acompanhavam, respondiam os ossos olhos vidrados e expressões de admiração: "olha bem esta paisagem!"; "que lindo!"; "vê bem o tamanho daquele pássaro!"; "tanta água!". Num ápice avistamos as barreiras feitas de amontoados de madeira e pedras. Estávamos de saída do Senegal. Entregamos o "pass-avant", carimbamos passaportes e surpreendentemente, tivemos de pagar de novo para a alfândega. Perguntamos quanto teríamos de pagar para reaver o documento que nos permite conduzir no Senegal. Resposta: "o mesmo que pagaram quando entraram na Barragem de Diama, 15 €". Sorrimos para o homem, pois sabíamos que esse valor estava muito longe do que havíamos pago. Longe, para muito melhor.


Arrancamos passados 10 minutos de termos parado na fronteira e, percorridos 2 Km, a barreira fronteiriça da Guiné-Bissau mostrava-se pela primeira vez. Os procedimentos são muito similares aos anteriores, a grande diferença é que, pela primeira vez, falamos em português. Pagamos o que achamos que devíamos pagar, mostramos documentos pessoais e da chaimite. Ficamos uns bons 30 minutos a explicar o que estávamos ali a fazer. oferecemos umas prendinhas a quase toda a gente na fronteira e seguimos para São Domingos. Lá esperava-nos o comandante do posto da Guarda Fiscal. Problemas? Nada disso. Simplesmente, na fronteira, tinha-nos sido pedido que entregássemos o comando do leitor de DVD no posto seguinte. Sorrisos, conversa boa e seguimos para a localidade seguinte: Ingore.


Ligamos para Portugal a dar a notícia da chegada à Guiné-Bissau. Ouvimos os suspiros de alivio, palavras emocionadas que nos fizeram tremer a voz. Dentro do carro, já não falávamos, mas gritávamos entre cumprimentos e abraços efusivos. Rádio no máximo, a Kizomba e os ritmos africanos, de que nunca fomos ouvintes, faziam todo o sentido. Estávamos mesmo muito felizes, mas cientes de que muito havia por fazer.

Estacionamos em frente à esquadra da guarda fiscal em Ingore. Ainda nem sabíamos bem com quem falar, e já um homem gritava: "Dulombi? Essa é a terra onde nasci!". O homem era o chefe da esquadra, de nome Aruna Jamanca, sobrinho de uma antigo chefe das milícias em Dulombi. Explicamos os motivos da nossa missão e mostramos o livro de fotografias sobre a CC 2700 de Américo Estanqueiro. Bebemos uma cerveja, distribuímos material de escrita para a esquadra e seguimos para Bissau. Mais um momento alto nesta primeira hora em território guineense.



A estrada é óptima e atravessamos o Rio Mansoa por uma grande ponte – financiada, pelo que nos contaram, pelos chineses – pagamos uma pequena portagem, a primeira depois de Marrocos e chegamos a Safim. Aqui fomos controlados por um chefe um pouco mal disposto. Em Safim cruza-se a estrada de São Domingos com a estrada que vem de Bafatá, ou seja, todos os carros que querem chegar até Bissau passam, obrigatoriamente, por ali. Talvez seja esse o motivo de tal aparato, que incluía um controle de passagem de viaturas muito curioso. Dificilmente expressaríamos uma gargalhada, mas cedo percebemos que a árvore em frente à esquadra era estratégica. Amarram uma corda à árvore, estendem-na pelo chão, prendem sacos plásticos ao longo da corda e puxam-na sempre que querem parar um carro. Obviamente que fomos parados dessa forma. A sorte do guarda que segura e puxa a corda na outra extremidade é que o Ricardo ia atento, caso contrário, o nosso primeiro incidente ia mesmo acontecer. Arrastar um polícia agarrado à sua corda não seria muito agradável, mas ainda olhamos um para o outro, com aquele olhar matreiro de quem conhece bem os primos Ramos.


Por volta das 15h Bissau estava mesmo muito perto, circulávamos a 50 Km/h e só queríamos desfrutar da vista. A cada aldeia que nos surgia, largávamos um "olá, bom dia!", acenávamos e sorríamos. Uma semana depois da saída de Vila do Conde, e depois de tantas aventuras, estávamos muito relaxados, orgulhosos pelo feito e não perdíamos uma oportunidade de agradecer à nossa chaimite. Chegou, onde tinha de chegar, mas sofreu muito.

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