sábado, 13 de novembro de 2010

De Dakhla a Nouadhibou: pela 'terra de ninguém'

Sexta-feira, 8 de Outubro de 2010

Acordamos já o Sol estava lá no alto. Foi a primeira noite desta viagem em que pudemos dormir deitados. Deu para sentir como é bom esticar o corpo.

Arrumadas as coisas, e que trabalheira deu para voltar a colocar a tenda de volta ao saco (é uma daquelas tendas que está pronta a utilizar em 5 segundos, só que nas instruções, esquecem-se de dizer que é preciso uma eternidade para voltar à posição original). Aparece-nos o dono do Camping a oferecer chá. Amavelmente recusamos, pois o Ricardo já tinha feito café.



Perguntou se tínhamos coisas para vender. Demos-lhe canetas e uns sapatos e o homem recusou que pagássemos a estadia. Tentamos que aceitasse o nosso dinheiro, mas este preferiu que lhe prometêssemos que quando lá voltássemos lhe levaríamos sapatos.

Paramos na primeira bomba de gasolina, mesmo à saída de Dakhla. No deserto a gasolina tem preços que roçam o ridículo: nas bombas é muito barata, pelo caminho, dezenas de pessoas vendem bidões de 20l a preços superiores aos tubarões gasolineiros de Portugal. Mesmo com uma boa reserva na mala do carro, fomos atestando o depósito sempre que possível.

Tantas vezes atestamos que o ponteiro do gasóleo avariou e ficou na posição de cheio. A partir deste momento, só sabíamos que gasóleo tínhamos pela quantidade de quilómetros que percorremos, isto se as nossas previsões estivessem correctas: 8,2 l/100 Km.

À saída de Dakhla deparamos com uma paisagem inacreditável. Na noite anterior a escuridão imperava, um cenário digno de livros com as paisagens mais bonitas do planeta. Uma areia branca como cal e água, muita água. Mesmo passando a correr, contemplamos a beleza desta língua de terra. Como em todas as paisagens anteriores, o tempo para parar e fazer imagens é muito escasso. O Objectivo final está a mais de 2000 Km e, provavelmente, no regresso teremos tempo para estas paisagens.
O deserto continua implacável para os carros que nos ultrapassam. Vimos muitos carros a passaram por nós, a uma velocidade pouco aconselhada e mais tarde lá os víamos encostados à berma com todo o tipo de avarias.



Por volta das 13h estávamos na fronteira do Sahara Ocidental com a Mauritânia. Um primeiro guarda pede-nos os passaportes e sem perder muito tempo, explica-nos que uma mulher espanhola precisava de ajuda para atravessar os 4km de terra sem dono que separam os dois países. Entre toda a burocracia que nos é imposta para poder sair do país, passaram quase 2h30. Nesse tempo, a mulher espanhola, supostamente, médica em Barcelona, conta-nos mil filmes, incluindo o filme da vida dela. Começamos a perceber que a mentira é um hábito em África, mesmo contada por aqueles que por aqui andam de passagem, em negócios ou simplesmente a fugir de alguma coisa ou de alguém. A mulher reclamava do tempo de espera, e foi mesmo à janela do edifício da alfândega marroquina perguntar se o guarda tinha ido rezar (realmente o homem tinha desaparecido, mas não víamos motivo para a chacota da espanhola). Depois de nos convencer a seguirmos na sua frente na "terra de ninguém" - bocado de terra minado, sem estrada, luz ou sinalização, resultado de anos de disputa entre Marrocos e a Mauritânia - começou a ter uma conversa que trouxe ao de cima a sua verdadeira personalidade: mentirosa.

Arranjou um guia para a levar pela Mauritânia, evitando, segundo ela, as paragens policiais da viagem; disse-nos que o marido a esperava do outro lado da fronteira, pois o passaporte dele não o permitia vir a Marrocos buscá-la; mostrou-nos o passaporte com dezenas de carimbos, para justificar que conhece toda a África e que a Mauritânia é um país de criminosos e que devíamos seguir com ela, ajudando a pagar o guia, e assim sair daquele país o mais depressa possível.

3h depois de termos chegado à fronteira, abre-se uma cancela e a visão de carros destruídos, lixo e pessoas a vaguear, fez daquele troço de 4Km um dos mais tensos da viagem. Sabíamos da existência das minas e também sabíamos que se alguma coisa acontecesse naquele bocado de terra, nenhum país se responsabilizaria, pois não pertence a ninguém. Um homem fez paragem ao Opel Kadett da espanhola, como ela não parou, deu um pontapé na porta. Nós seguíamos atrás e passamos bem por esse homem.



O mais caricato acontece à chegada à fronteira da Mauritânia. A mulher espanhola tinha o marido à espera, o guia também lá estava. Mal entramos pela porta do país, a mulher vem apressada ter connosco. perguntou se trazíamos álcool ou anti-depressivos (tudo proibido na Mauritânia). Respondi que tinha uma garrafa de Whisky, mas que nem sabia onde estava. Ela mais nervosa do que nós, disse que tínhamos de destruir a garrafa, pois se os guardas fronteiriços a encontrassem, íamos presos e por muito tempo. Ficamos nervosos.
A espanhola - que  não nos conseguiu convencer a dividir a despesa do guia - disse que não podia esperar por nós, pois estava a ficar muito tarde.

Abrimos a mala e mostramos documentos aos guardas (militares enormes). Depois de 5 minutos a revistar o carro, com umas ofertas pelo meio, estava tudo OK e pronto a seguir viagem, faltava apenas fazer o seguro, pois nenhuma companhia de seguros em Portugal contempla este país. Passaram 5 horas entre as duas fronteiras, faltavam duas para escurecer.

Na preparação desta viagem, lemos e ouvimos pessoas que falavam da Mauritânia como um país a evitar. Fala-se de raptos e roubos, o que nos fez pensar que o melhor seria parar na primeira cidade - Nouadhibou - e seguir viagem com o nascer do Sol.

Fizemos os 35 Km que separam a fronteira desta cidade. Duas paragens policiais, não muito diferentes das verificadas no Reino de Marrocos e encontramos o Camping do senhor Ali, sugerido por um dos guardas.

Chegados à cidade, notamos que todos os carros buzinavam. De repente até parecia que estavam a seguir-nos, pois a cada 20 segundos, um MB 190D passava por nós. Não foi preciso muito tempo para perceber que todos os carros eram Mercedes, táxis sem identificação, e que buzinavam para tentar atrair clientes.

A cidade é frenética, mas tem um grande defeito: cheira a peixe podre. Entre os chamamentos da mesquita, e os buzinões, a calmaria do camping sabia a mel.

O camping é melhor do que estávamos à espera. Não necessitamos de tenda. pois tem quartos, tem cozinha, WC e parque seguro para o carro. Depois de jantar (uma massa com tudo à mistura), oferecemos alguns brinquedos aos filhos do Ali, bebemos um trago de Whisky (sinal de que nos iríamos despedir da garrafa), fomos a um cybercafé enviar mais fotos, banho tomado e dormimos.


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