Domingo, 10 de Outubro de 2010
Sabíamos, se o GPS não estivesse enganado, que nos faltavam cerca de 200Km para entrar no Senegal. Estimamos chegar lá em 2h30, até porque sem grandes paragens, não baixaríamos a nossa média de 80 Km/h.
Mal saímos de Noakchott, voltou a calma no que ao trânsito diz respeito. Por outro lado, a estrada piorou muito. Parecia um outro país. Alternávamos 10 Km muito bons com 30 Km de estradas com muitos buracos. Para além dos buracos, a estrada estava reduzida em um metro em cada um dos seus lados. Os camiões vão destruindo a estrada pelo lado direito, e era possível ver pedaços de alcatrão desfeitos.
Voltamos a ver muitos carros com todo o tipo de avarias. Redobramos a atenção e isso fez com que a tarde passasse muito depressa..
Rosso, fronteira com fama de causar muitos calafrios a quem por ela quer entrar no Senegal, tinha o seu último ferry às 18h, depois disso, 9h da manhã do dia seguinte.
Começamos a perguntar, em todas as paragens policiais, se a nossa chaimite passava pela Barragem de Diama. Esta Barragem é a outra travessia possível do Rio Senegal, e os militares lá nos foram dizendo que com o nosso carro seria impossível chegar até esse ponto. Também nos disseram que a fronteira da Mauritânia fecha às 18h. Não restou outra alternativa que não seguir para Rosso e esperar que os relatos de roubos e manobras estranhas para extorquir dinheiro a estrangeiros não passassem de boatos.
A 30 minutos da partida do ferry estávamos a 15 Km, ponto do último pedido de documentos. Entramos em Rosso e sem querer estávamos a 100 metros da porta do Porto. Um militar, que até estava distraído a conversar, quando se apercebe da nossa presença, manda-nos parar o carro e diz mais ou menos isto: "Este carro não pode circular com essa carga no tejadilho". Sem demoras respondemos que tínhamos entrado na Mauritânia no dia anterior e que em todas as paragens - mais de 20 - ninguém tinha apontado a carga como algo ilegal. O militar queria 20€ para a multa, ao que respondemos (mais uma vez) que não tínhamos dinheiro. Como insistimos em não pagar, chamou um sujeito a quem entregou todos os nossos documentos e a quem ordenou que nos tratasse de tudo e que, supostamente, com este homem tudo seria fácil para passar para o Senegal.
Pois bem, tudo correu mal. Seguro, alfândega, passaportes carimbados, bilhetes para o ferry. Ainda não tínhamos pago nada e já estávamos na fila para entrar no barco. Entraram dois camiões e um carro com duas mulheres franceses e aí percebemos que as coisas só iriam piorar. Com a época das chuvas ainda em curso, o Rio Senegal está tão cheio que a rampa do ferry está pousada dentro de água, o que obriga os carros a entrarem no barco com água a meio das portas. Estávamos com algum receio, mas teríamos de tentar. Um guarda exerce alguma pressão para que entrássemos no barco. Cedemos à pressão do homem e quando estávamos com as quatro rodas dentro de água ouvimos um estrondo por baixo do carro. Pior que isso, ao ficarmos parados, entrou água pelo filtro de ar e o carro nunca mais ligou. Pessoas gritavam porque estávamos a impedir a passagem dos restantes carros, outros gritavam porque...bem, nem sabemos o motivo. Estávamos nervosos e com receio de que as coisas ainda pudessem piorar. E pioraram.
Tiramos o carro da água, ajudados por mais de 30 pessoas. O carro não pegava mesmo. Em pouco tempo estava lá um mecânico e as mesmas 30 pessoas que naquele momento davam todo o tipo de palpites: "Este carro morreu; o problema é no motor; tem água no filtro; nunca mais tiras daqui o carro; queres vender o carro?!!".
Levamos a pobre chaimite a empurrão até à oficina do mecânico. Basicamente não havia oficina nenhuma e tudo se arranja em plena rua. Lá, todos os que ajudaram a empurrar o carro nos pediam dinheiro pela ajuda. Encontramos uma peça que servia no nosso carro, mas ia custar-nos 500€. Depois de muita negociata ficou por 300.
30 minutos depois, o carro, como que por milagre, ligou-se, libertou toda a água e apesar do fumo branco, estava pronto a seguir. Problema seguinte: pagar ao mecânico, tentar afastar toda a gente que insistia num "cadeux" - uma prenda.
O mecânico queria 100€ por secar o filtro e mudar uma guia da direcção, demos 30. O irmão do mecânico queria o rádio que juntei aos 30€. E lá ficou com o rádio. Aos outros 30 homens, prometemos que voltávamos na manhã seguinte e que depois de abrir as caixas tínhamos coisas para todos.
Faltava um pequeno grande pormenor: onde estava homem com os nossos documentos? Com todo aquele stress, ficou por resolver a questão de toda a artimanha de entrada no barco. Traoré, o Maliano que faz vida em Rosso estava, como sempre esteve, sereno e à espera de ser pago. (GIL) Pedi os documentos e disse-lhe que ia voltar a Portugal, porque se por Diama nos tinham dito que o carro não passava, voltar a arriscar e entrar no barco com água pelas portas não seria muito inteligente. O homem responde: "Tudo bem. Só tens de me pagar pelo meu trabalho, caso contrário não te posso ajudar a recuperar os documentos que ficaram no Porto, aquando da saída do carro". Queria 150€ por uma coisa que tinha custado 30. Discuti, gritei com ele e disse-lhe que se fosse na Europa ele estaria em maus lençóis. Só me falou mais uma vez, enquanto me acompanhava até ao Porto, e disse "Isto é África, branco de M****". Reinou o silêncio na caminhada de 5 minutos.
Resolvi acalmar-me, deixei-lhe a última nota de 50€ que tinha, dei ainda 20 mil Ogya, cerca de 30€, e ele aceitou.
De volta ao Porto, o chefe da fronteira tinha ido embora, pois já passava das 20h. Insisti e deram-me o número de telemóvel do homem. No melhor francês que algum francês um dia falou, convenci o homem a voltar. Já sem farda e no seu MB 190D, carimbou de novo os passaportes e desejou boa sorte no regresso a Portugal.
Rosso, fronteira com fama de causar muitos calafrios a quem por ela quer entrar no Senegal, tinha o seu último ferry às 18h, depois disso, 9h da manhã do dia seguinte.
Começamos a perguntar, em todas as paragens policiais, se a nossa chaimite passava pela Barragem de Diama. Esta Barragem é a outra travessia possível do Rio Senegal, e os militares lá nos foram dizendo que com o nosso carro seria impossível chegar até esse ponto. Também nos disseram que a fronteira da Mauritânia fecha às 18h. Não restou outra alternativa que não seguir para Rosso e esperar que os relatos de roubos e manobras estranhas para extorquir dinheiro a estrangeiros não passassem de boatos.
A 30 minutos da partida do ferry estávamos a 15 Km, ponto do último pedido de documentos. Entramos em Rosso e sem querer estávamos a 100 metros da porta do Porto. Um militar, que até estava distraído a conversar, quando se apercebe da nossa presença, manda-nos parar o carro e diz mais ou menos isto: "Este carro não pode circular com essa carga no tejadilho". Sem demoras respondemos que tínhamos entrado na Mauritânia no dia anterior e que em todas as paragens - mais de 20 - ninguém tinha apontado a carga como algo ilegal. O militar queria 20€ para a multa, ao que respondemos (mais uma vez) que não tínhamos dinheiro. Como insistimos em não pagar, chamou um sujeito a quem entregou todos os nossos documentos e a quem ordenou que nos tratasse de tudo e que, supostamente, com este homem tudo seria fácil para passar para o Senegal.
Pois bem, tudo correu mal. Seguro, alfândega, passaportes carimbados, bilhetes para o ferry. Ainda não tínhamos pago nada e já estávamos na fila para entrar no barco. Entraram dois camiões e um carro com duas mulheres franceses e aí percebemos que as coisas só iriam piorar. Com a época das chuvas ainda em curso, o Rio Senegal está tão cheio que a rampa do ferry está pousada dentro de água, o que obriga os carros a entrarem no barco com água a meio das portas. Estávamos com algum receio, mas teríamos de tentar. Um guarda exerce alguma pressão para que entrássemos no barco. Cedemos à pressão do homem e quando estávamos com as quatro rodas dentro de água ouvimos um estrondo por baixo do carro. Pior que isso, ao ficarmos parados, entrou água pelo filtro de ar e o carro nunca mais ligou. Pessoas gritavam porque estávamos a impedir a passagem dos restantes carros, outros gritavam porque...bem, nem sabemos o motivo. Estávamos nervosos e com receio de que as coisas ainda pudessem piorar. E pioraram.
Tiramos o carro da água, ajudados por mais de 30 pessoas. O carro não pegava mesmo. Em pouco tempo estava lá um mecânico e as mesmas 30 pessoas que naquele momento davam todo o tipo de palpites: "Este carro morreu; o problema é no motor; tem água no filtro; nunca mais tiras daqui o carro; queres vender o carro?!!".
Levamos a pobre chaimite a empurrão até à oficina do mecânico. Basicamente não havia oficina nenhuma e tudo se arranja em plena rua. Lá, todos os que ajudaram a empurrar o carro nos pediam dinheiro pela ajuda. Encontramos uma peça que servia no nosso carro, mas ia custar-nos 500€. Depois de muita negociata ficou por 300.
30 minutos depois, o carro, como que por milagre, ligou-se, libertou toda a água e apesar do fumo branco, estava pronto a seguir. Problema seguinte: pagar ao mecânico, tentar afastar toda a gente que insistia num "cadeux" - uma prenda.
O mecânico queria 100€ por secar o filtro e mudar uma guia da direcção, demos 30. O irmão do mecânico queria o rádio que juntei aos 30€. E lá ficou com o rádio. Aos outros 30 homens, prometemos que voltávamos na manhã seguinte e que depois de abrir as caixas tínhamos coisas para todos.
Faltava um pequeno grande pormenor: onde estava homem com os nossos documentos? Com todo aquele stress, ficou por resolver a questão de toda a artimanha de entrada no barco. Traoré, o Maliano que faz vida em Rosso estava, como sempre esteve, sereno e à espera de ser pago. (GIL) Pedi os documentos e disse-lhe que ia voltar a Portugal, porque se por Diama nos tinham dito que o carro não passava, voltar a arriscar e entrar no barco com água pelas portas não seria muito inteligente. O homem responde: "Tudo bem. Só tens de me pagar pelo meu trabalho, caso contrário não te posso ajudar a recuperar os documentos que ficaram no Porto, aquando da saída do carro". Queria 150€ por uma coisa que tinha custado 30. Discuti, gritei com ele e disse-lhe que se fosse na Europa ele estaria em maus lençóis. Só me falou mais uma vez, enquanto me acompanhava até ao Porto, e disse "Isto é África, branco de M****". Reinou o silêncio na caminhada de 5 minutos.
Resolvi acalmar-me, deixei-lhe a última nota de 50€ que tinha, dei ainda 20 mil Ogya, cerca de 30€, e ele aceitou.
De volta ao Porto, o chefe da fronteira tinha ido embora, pois já passava das 20h. Insisti e deram-me o número de telemóvel do homem. No melhor francês que algum francês um dia falou, convenci o homem a voltar. Já sem farda e no seu MB 190D, carimbou de novo os passaportes e desejou boa sorte no regresso a Portugal.
Saímos daquele TEXAS e no primeiro Hotel paramos. O carro estava seguro, nós também. Comemos salsichas e atum com as últimas fatias de pão de forma. Tínhamos água e Ice-T. Começamos, finalmente, a falar sobre o que tinha acontecido e sobre o que faríamos a seguir. Decisão: voltar a Portugal. Seguramente, o carro não estaria em condições para continuar mas, a bem da verdade, também não estaria para regressar.
Uns 30 telefonemas depois, os nossos familiares e amigos demoveram-nos, ajudaram no reestabelecer da conta bancária e deram-nos a força que, num ápice, desaparecera.
Uns 30 telefonemas depois, os nossos familiares e amigos demoveram-nos, ajudaram no reestabelecer da conta bancária e deram-nos a força que, num ápice, desaparecera.
Adormecemos com a TV ligada - Kill Bill em árabe - depois de um merecido banho.
Nota: Devido a todos os problemas, o tempo e a vontade de fazer fotografias foram nulos.
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